F for Fake (1973) - Orson Welles





Último filme de Orson Welles, F for Fake, é um estudo sobre a ilusão, o falso. E que melhor maneira de fazer um filme sobre a ilusão do que iludindo o espectador o tempo todo? É precisamente isso que Orson Welles faz, cria um jogo em que tudo, desde a montagem ao texto, brinca com a crença/descrença do espectador. Constituído por entrevistas e reconstituições de “eventos”, F for Fake pode, num sentido lato, enquadrar-se no género documental, mas transcende as fronteiras do documentário, sendo geralmente considerado como um filme-ensaio.

 Orson Welles é o anfitrião que nos guia pelo jogo de espelhos que é este filme. O trabalho e vida do famoso falsificador de arte Elmyr de Hory - que, ao não ser aceite no pelo “mundo da arte” enquanto pintor, começa a fazer falsificações de quadros valiosos - serve de ponto de partida para uma investigação acerca da natureza da arte, do seu valor e da sua relação com a cópia e a falsificação. Hory vive a sua velhice em Ibiza numa villa cedida por um dos “art dealers” que lucraram com as suas falsificações. Segundo o que Welles conta, as falsificações dele eram tão boas que nem os peritos as conseguiam distinguir das originais encontrando-se, portanto, espalhadas por vários grandes museus no mundo. A mentira passou incólume porque nenhum desses grandes museus quis arriscar a perda de credibilidade que o facto de terem comprado uma falsificação lhes traria. A história de Elmyr de Hory expõe a forma como é fácil enganar os peritos e especialistas, os vilões de F for Fake, que decidem o que é suposto valer alguma coisa ou não. Através das suas falsificações, de Hory expõe o absurdo e a aleatoriedade do mundo da arte.

Para além do próprio Orson Welles, que se refere a episódios da sua vida e carreira relacionando-os com o tema, e Elmyr de Hory, o puzzle de F for Fake é composto por Clifford Irving, biógrafo de Elmyr, também conhecido por ter forjado a biografia “autorizada” de Howard Hughes; e Oja Kodar, mulher de Welles, personagem central de vários eventos falsos que são relatados ao espectador.

Esta é, também, uma obra que reflecte sobre a ilusão do cinema. Welles tira vantagem da condição intrínseca ao cinema (que é sempre uma ilusão), ao mesmo tempo que tenta tornar o espectador consciente dela. Desde o início, avisa-nos para o facto de nos ir enganar, apesar de garantir por várias vezes que é tudo verdade, sempre num tom de regozijo. A cena inicial do filme, em que Welles aparece numa estação de comboios a fazer truques de magia para um rapazinho, resume tudo o que se passa a seguir: estamos perante um truque de ilusionismo, o espectador é como uma criança que, ao mesmo tempo que sabe que está a assistir a uma ilusão, se deixa maravilhar com ela. Em F for Fake, o espectador chega a um ponto em que não consegue distinguir aquilo que é real do que é inventado descaradamente, se é que alguma coisa é real. Orson Welles mente e engana para demonstrar que não se pode confiar em ninguém, muito menos em alguém que afirme a sua autoridade sem qualquer fundamento ou prova.

Ao espectador nunca é permitido esquecer-se que está perante um objecto construído nem que esse objecto é construído por ele, Orson Welles. O próprio processo de construção do filme é evidenciado em vários momentos, nomeadamente na cena em que Orson Welles, sentado numa sala de montagem, fala directamente para a câmara  Mas será a autoria do filme verdadeira? Existem rumores de que quem realizou grande parte de F for Fake, mais especificamente a parte filmada em Ibiza, não foi Orson Welles, mas sim François Reichenbach.

F for Fake foi um falhanço comercial nos EUA e gerou polémica entre a crítica. Ao longo dos anos, acabou por conquistar o estatuto de clássico, obra visionária que antecipou as técnicas de montagem modernas. Através de uma rápida e inquieta sucessão de planos, feita, também ela, para nos enganar ou confundir, são criados diálogos, situações, relações entre coisas separadas.


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