Encomendado a Resnais pelo Comité de História da Segunda Guerra Mundial para assinalar o décimo aniversário da libertação dos campos de concentração, Noite e Nevoeiro faz parte da primeira vaga de filmes que reflectem sobre os horrores da Segunda Guerra Mundial. A Resnais, que já tinha realizado pequenos documentários sobre arte, juntaram-se Jean Caryol, escritor sobrevivente dos campos de concentração, que escreveu o texto, declamado no filme por Michel Bouquet; e Hanns Eisler, que compôs a banda sonora.
Mostrado ainda hoje nas escolas em França para ilustrar este período histórico, Noite e Nevoeiro é mais do que um documentário, é um apelo à nossa humanidade. Adoptando um estilo poético, contrapõe imagens a cores de Aushwitz em 1955 e imagens de arquivo a preto e branco filmadas em campos de concentração durante a guerra. As imagens documentais (tanto fotografias como vídeos) são provenientes de várias fontes, como arquivos nazis ou captações efectuadas pelos aliados aquando da libertação dos campos. O choque entre as imagens coloridas, que mostram a paisagem verdejante à volta do campo de concentração deserto, e as imagens de violência e horror, ora facultadas pela montagem ora pelo próprio texto de Jean Caryol, está presente desde o primeiro momento e paira sobre todo o filme alertando para os perigos da passagem do tempo e do esquecimento que esta provoca.
O pedaço de História relatado por Noite e Nevoeiro tem início no ano de 1939, com o planeamento e projecção dos campos (“um campo de concentração é construído como um estádio ou um hotel”), passando para a descrição da configuração dos campos e dos seus aspectos logísticos: assim que os prisioneiros chegam ao local, os seus cabelos são rapados, vestem-nos todos de igual (os famosos “pijamas” às riscas), tatuam-lhes números nos braços e é-lhes colocado ao peito um triângulo colorido segundo o motivo que os levou para lá (triângulo amarelo para os judeus, vermelho para os presos políticos, etc). Os campos estão organizados como verdadeiras cidades, com a sua hierarquia própria, os seus hospitais, bordéis e até mesmo uma prisão. O relato das condições sub-humanas e do dia-a-dia, repleto de miséria e morte, dos prisioneiros vai sendo ilustrado com imagens de arquivo e com o contraponto entre essas imagens e as que Resnais captou dos campos vazios em 1955. A certa altura, o texto realça a impossibilidade de dar a ver o horror: “que esperança temos de capturar esta realidade? (…) nenhuma descrição, nenhuma imagem pode revelar a sua verdadeira dimensão (…) não podemos mostrar mais que a aparência, a superfície.”
Noite e Nevoeiro foca, também, como não podia deixar de ser, a “solução final”. Os crematórios são planeados e construídos com a ajuda dos próprios prisioneiros. Esses edifícios que, em 1955, servem de cenário para fotografias turísticas, foram, poucos anos antes, uma fábrica de fazer corpos. A eficiência está presente, também no modo de matar: “Matar à mão leva tempo”. O texto de Caryol descreve do método utilizado, enquanto as imagens nos mostram os corpos tratados como objectos, pedaços de carne sem dignidade. Tudo era aproveitado: com o cabelo fazia-se tecido, com os ossos fertilizante, com os corpos fabricava-se sabão. As imagens de montanhas de óculos, pentes, cabelos (o monte interminável de cabelo é das imagens mais impressionantes no filme), são apenas vestígios, que denunciam a monstruosidade mas que são incapazes de exprimi-la totalmente.
O filme termina com uma pergunta e um aviso. Perante os julgamentos de Nuremberga e a recusa de responsabilidade por parte de todos os julgados, Resnais questiona: “Então, quem é responsável?”. Esta pergunta fica no ar, sugerindo que temos o dever de estar atentos e não deixar instalar-se o esquecimento.
O tema da memória/esquecimento e da sua importância é recorrente na obra do cineasta que continuou a explorá-lo em filmes como Hiroshima mon Amour (que, mais uma vez, lida directamente com as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial), L’anné Derniére a Marienbad e Je t’aime Je t’aime.
Still shown in schools in France to illustrate this historical period, Night and Fog is more than a documentary, it is an appeal to our humanity. Adopting a poetic style, contrasting color images of Auschwitz in 1955 and archival footage filmed in black and white in concentration camps during the war. The documentary images (both photos and videos) are from various sources, such as Nazi files or shot by the allies during the liberation of the camps. The clash between the color images, that show the green landscape around the deserted camp, and the images of violence and horror, supplied either by the editing or by Jean Caryol's words, is present from the first moment and hovers over all the film warning us of the dangers of the passage of time and forgetfulness.
The piece of history related by Night and Fog begins in 1939, with the planning and projection of the fields ("a concentration camp is built as a stadium or a hotel"), passing to the description of the configuration of fields and its logistical aspects: how the prisoners arrive at the site, their hair is shaved, they are dressed all equal (the famous striped "pajamas"), numbers tattoo in their arms, a colored triangle isayswhy are they tere (yellow triangle for Jews, red for political prisoners, etc.). The camps are organized as real cities, with its own hierarchy, its hospitals, brothels and even a prison. The report of the sub-human conditions and day-to-day, full of misery and death, of the prisoners is illustrated with archival images and the contrast between these images and those captured by Resnais of the empty fields in 1955. At one point, the text highlights the impossibility of seeing the horror: "We can't hope to capture this reality? (...) No description, no image can reveal their true dimension (...) we can not show more than the shell, the surface. "
Night and Fog focus, also, as might be expected, the "final solution." The crematoria are planned and built with the help of the prisoners themselves. These buildings, wich in 1955, serve as the backdrop for tourist photos were a few years earlier, a factory of bodies. Efficiency is also present in killing: "Killing by hand takes time." The text of Caryol describes the method used, while the images show us the bodies treated as objects, pieces of meat without dignity. With the hair, they made up tissue, with bones fertilizer, with bodies manufactured soap. Images of mountains of glasses, combs, hair (the endless pile of hair is one of the most striking images in the film) are just traces, denouncing the monstrosity but unable to express it fully.
The film ends with a question and a warning. Given the Nuremberg trials and the denial of responsibility on the part of all participants, Resnais asks: "So who is responsible?". This question is asked, suggesting that we must be vigilant and not let settle oblivion.
The theme of memory / forgetfulness and its importance is recurrent in the work of the filmmaker, who continued to exploit it in films like Hiroshima mon Amour (which, again, deals directly with the scars of World War II), L'anné dernière Marienbad and Je t'aime Je t'aime.
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