Uma das características sempre presentes em toda a obra de Jean-Luc Godard é a subversão dos códigos da linguagem cinematográfica bem como dos códigos narrativos, dos quais se desfaz progressivamente, através da proposta de uma nova concepção de montagem, baseada na ruptura, na repetição e na disjunção.
A partir dos anos 80, o seu interesse noutros meios desenvolve-se através de trabalhos na área da televisão e do videoclip e de experiências que incorporam o vídeo no cinema começando, mais tarde, a pensar o vídeo separadamente, como forma de reflectir sobre a sua própria obra.
Histoire(s) du Cinéma foi feito como uma série/vídeo-ensaio para o Canal+, Arte e Gaumont entre 1988 e 1998, sendo que o primeiro capitulo da série (1A e 1B) foi transmitido em cinco canais europeus em simultâneo e os restantes estrearam em festivais de cinema. O museu de Arte Moderna de Nova Iorque foi apresentando cada um dos capítulos à medida que eram terminados e a obra foi inteiramente exibida, integrada numa instalação no Documenta X em 1997.
Toda a obra é uma sucessão/colagem de imagens, palavras e sons que se sobrepões e entrelaçam em sequências repetitivas. Godard utiliza imagens de arquivo (de filmes e documentais) juntamente com imagens filmadas de propósito para a obra, musica, pintura e fotografias, vozes que recitam e citam passagens literárias, efeitos sonoros, música clássica, videoescrita, ou seja, tudo aquilo que o vídeo tem a capacidade de integrar, sem qualquer hierarquia epistemológica entre os vários elementos que são utilizado como matéria-prima.
Histoire(s) du Cinéma divide-se em quatro capítulos, constituídos por duas partes cada um. Ao longo desses capítulos, Godard revisita a sua própria história do cinema, colocando-se constantemente no centro da “narrativa”: ouvimos a sua voz, vemos a sua imagem, a sua história do cinema é subjectiva. Em Histoire(s) não existe uma linearidade cronológica, mas sim uma evolução orgânica, em que certos temas são recorrentes e tudo é simultâneo.
Em Histoire(s) du Cinéma, Godard reescreve, de forma poética a história do cinema e, em simultâneo, a história do século XX, surgindo deste permanente diálogo “uma polifonia de histórias que rompe necessariamente com a visão monolítica que dela tínhamos” (in http://www.bocc.uff.br/pag/bocc-javier-godarteneo.pdf). Esta visão está explícita no próprio título, em que o (s) desafia toda uma concepção de história e de sujeito, de mundo, inaugurando “uma história (…) que aparece como singular e plural ao mesmo tempo”.
Godard defende a ideia do cinema como uma síntese de todas as artes e um meio privilegiado para a apreensão da passagem do tempo tendo, por isso, uma responsabilidade especial perante a história. Segundo ele, o cinema do século XX, com excepção do neo-realismo italiano, falhou redondamente ao demitir-se daquilo que Godard considera a sua obrigação de testemunho do horror (o irrepresentável) por não ter tomado consciência do seu próprio poder. O que resta ao cinema, para tentar redimir-se, é honrar o seu papel de memória, fazendo os possíveis por não deixar esse horror e os erros da humanidade caírem no esquecimento. É precisamente isso que Godard faz em Histoire(s) du Cinéma, mostrando vários momentos em que o cinema se “traiu a si próprio”, ao tornar-se, por exemplo, o mais importante meio de propaganda do século XX, em vez de se posicionar contra qualquer forma de demagogia e de intervir criticamente.
Histoire(s) du Cinema é, ainda, uma reflexão acerca da tecnologia e dos meios artísticos. Godard integra a história do cinema na história de todas as artes, como herdeiro delas e das realizações técnicas do século XIX e faz referências directas que expõem constantemente o próprio meio.
Em Histoire(s) du Cinéma, o recurso expressivo mais importante, é a montagem (“Montagem minha bela inquietação”), pois é através dela que o autor explora o movimento e cria novos significados. Através da manipulação das imagens e das sobreposições (colagens), apropria-se de obras anteriores, transformando-as na sua matéria-prima, e dá-lhes uma nova dimensão. Através deste recurso, Godard explora o fotograma, compondo colagens, dando movimento a imagens estáticas e vice-versa. O ritmo a que as imagens se sucedem é, muitas vezes, extremamente rápido, o que impede o reconhecimento visual (representação), apontando para a própria dificuldade em apreender o real e o ser. Deste modo, a montagem não existe para dar continuidade narrativa, mas sim para trazer à superfície o irrepresentável, através de relações mentais provocadas no espectador.
Histoire(s) du Cinema é uma obra monumental que resume toda a filosofia de Godard em relação à arte e, mais especificamente em relação ao cinema, na sua relação com a história. Através da sua estrutura e da utilização que faz dos recursos tecnológicos e da forma como torna consciente a sua presença, é um ensaio sobre a história cinema e da civilização ocidental no século XX, utilizando para isso fragmentos dessa mesma história (“A única coisa que sobrevive de uma época, tal e qual, é a forma de arte que ela criou para si”- 4B), sendo ao mesmo tempo uma homenagem e uma crítica.
_______________________________________________________________________
One of the features always present in all the work of Jean-Luc Godard is the subversion of film language and narrative codes, which dissolves gradually, by proposing a new editing concept, based on rupture, the repetition and disjunction.From 1980's, his interest in other media developed through work in media such as television and video clips and film experiences that incorporate video starting, later, to think the video separately, as a way to reflect on his own work.Histoire (s) du Cinéma was done as a series / video test for Canal +, Arte and Gaumont between 1988 and 1998, and the first chapter of the series (1A and 1B) was broadcast in five European channels simultaneously and the remaining premiered at film festivals. The Museum of Modern Art in New York presented each of the chapters as they were fully completed and the work was displayed as part of an instalation in Documenta X in 1997.The entire work is a series / collage of images, words and sounds that overlap and interweave repetitive sequences. Godard uses archival footage (films and documentary) along with footage shot specifically, music, painting and photographs, voices recite and quote literary passages, sound effects, classical music, videoescrita, all the Video has the ability to integrate, without any epistemological hierarchy between the various elements that are used as raw material.Histoire (s) du Cinema is divided into four chapters, consisting of two shares each.Throughout these chapters, Godard revisits his own history of cinema, putting himself constantly in the center of the "story": we hear his voice, see his image, his film history is subjective. In Histoire (s) there isn't a chronological linearity, but an organic evolution, in which certain themes are recurrent and everything is simultaneous.In Histoire (s) du Cinéma, Godard rewrites film history and, simultaneously, the history of the twentieth century.
Goddard supports the idea of cinema as a synthesis of all the arts and a privileged means for the apprehension of the passage of time, having therefore a special responsibility before history. For him, the twentieth century cinema, with the exception of Italian neo-realism, failed miserably to resign what Godard considers its duty to witness to the horror (the unrepresentable) for not being aware of his own power. What is left to the movies, to try to redeem themselves, is to honor the memory, doing their best to not let this horror and errors of mankind pass into oblivion. This is precisely what makes Godard in Histoire (s) du Cinema, showing multiple times when the film has "betrayed himself" by being, for example, the most important advertising medium of the twentieth century, instead of stand against any form of demagoguery and act critically.Histoire (s) du Cinema is also a reflection on technology and media. Godard places the history of film in the history of all the arts, as heir to them and the technical achievements of the nineteenth century and constantly expose the medium itself.In Histoire (s) du Cinema, the most important expressive resource, is editing, because it is through it that the author explores the movement and creates new meanings. Through manipulation of images and overlays (collages), Godard appropriates of earlier works, transforming them in his raw material, and gives them a new dimension.Through this feature, Godard explores the frame, makes collages, gives movement to still images and vice versa. The pace at which the images follow one another is often extremely fast, which prevents visual recognition (representation), pointing to the difficulty in grasping the real and being. Thus, the assembly does not to build a narrative, but to bring to the surface the unrepresentable, through mental relations caused in the viewer.Histoire (s) du Cinema is a monumental work that summarizes the Godard's philosophy in relation to art and, more specifically, in relation to the cinema in its relationship with history. Through its structure and the use made of technological resources this is a film essay on the film history and on Western civilization, being both a homage and a critique.
Goddard supports the idea of cinema as a synthesis of all the arts and a privileged means for the apprehension of the passage of time, having therefore a special responsibility before history. For him, the twentieth century cinema, with the exception of Italian neo-realism, failed miserably to resign what Godard considers its duty to witness to the horror (the unrepresentable) for not being aware of his own power. What is left to the movies, to try to redeem themselves, is to honor the memory, doing their best to not let this horror and errors of mankind pass into oblivion. This is precisely what makes Godard in Histoire (s) du Cinema, showing multiple times when the film has "betrayed himself" by being, for example, the most important advertising medium of the twentieth century, instead of stand against any form of demagoguery and act critically.Histoire (s) du Cinema is also a reflection on technology and media. Godard places the history of film in the history of all the arts, as heir to them and the technical achievements of the nineteenth century and constantly expose the medium itself.In Histoire (s) du Cinema, the most important expressive resource, is editing, because it is through it that the author explores the movement and creates new meanings. Through manipulation of images and overlays (collages), Godard appropriates of earlier works, transforming them in his raw material, and gives them a new dimension.Through this feature, Godard explores the frame, makes collages, gives movement to still images and vice versa. The pace at which the images follow one another is often extremely fast, which prevents visual recognition (representation), pointing to the difficulty in grasping the real and being. Thus, the assembly does not to build a narrative, but to bring to the surface the unrepresentable, through mental relations caused in the viewer.Histoire (s) du Cinema is a monumental work that summarizes the Godard's philosophy in relation to art and, more specifically, in relation to the cinema in its relationship with history. Through its structure and the use made of technological resources this is a film essay on the film history and on Western civilization, being both a homage and a critique.