Le Lit (1893) - Henri de Toulouse-Lautrec

Dans le Lit, Le Baiser (1893) - Henri de Toulouse-Lautrec


                          Legs Over High Tor (1975) - Paul Hill

Natural Born Killers (1994) – Oliver Stone



Natural Born Killers satiriza uma sociedade entorpecida pelo espectáculo da violência. Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis) são o produto desse ambiente. Quando os dois se cruzam, começa a cozinhar-se uma explosão que culmina numa viajem pelos USA matando pessoas ao acaso e certificando-se que o seus actos não passam despercebidos. Mickey e Mallory Knox obedecem apenas às suas próprias regras e a relação que têm um com o outro alimenta e é alimentada pelos crimes que cometem juntos. O casal vive numa bolha onde só existem eles os dois e comportam-se como se fossem os protagonistas do seu próprio filme de acção. Sempre conscientes da imagem que os meios de comunicação projectam deles, Mickey e Mallory vêm-se como heróis, seres humanos superiores.


O verdadeiro centro do filme não são os assassinos mas sim a forma doentia como a sociedade reage a eles e os retrata e glorifica. Em Natural Born Killers, Mickey e Mallory são instantaneamente transformados nas celebridades do momento. Através dos crimes que cometem, atingem aquilo que é uma das grandes aspirações de uma sociedade dominada pelos valores do espéctaculo: Fama. Os outros personagens são completamente intoxicados pela fama deles e pelo ambiente de circo que os rodeia: o repórter que entrevista Mickey na prisão está visivelmente entusiasmado por conhecer o homem que lhe vai fazer muito dinheiro; à porta do tribunal, uma multidão manifesta-se em sinal de apoio aos assassinos, como se eles fossem estrelas de cinema. Às tantas, acabam por ser tratados como se fossem realmente os heróis que imaginam ser, numa espécie de delírio colectivo.


 


Natural Born Killers é uma espécie de ave rara: um filme de estúdio experimental. Através da forma como filma, Oliver Stone acompanha os seus personagens enquanto eles quebram todas as regras: montagem frenética, vários formatos de filme, jogos com os pontos de vista, animação… isto e muito mais contribui para um resultado final que é uma explosão psicadélica. O mundo construído por Stone em Natural Born Killers é um mundo plástico, colorido e surreal, como um espelho que o realizador coloca em frente da sociedade americana e que distorce e exagera a realidade de forma a despertar o sentido crítico.






"Grantaire, completamente bêbedo, atordoava os ouvidos dos que o rodeavam, num dos cantos, discorrendo em voz atroadora e gritando:


       Tenho sede. Mortais, eis o meu desejo: que o tonel de Heidelberga tenha um ataque apoplético e que eu seja uma das doze sanguessugas que lhes mandem aplicar. Eu queria beber, porque desejo esquecer a vida. A vida é uma hedionda invenção de não sei quem. Uma coisa que não dura nada e nada vale; e matamo-nos para viver. A vida é uma armação quase a vir abaixo. A felicidade, um painel pintado só de um lado. O Eclesiastes diz que tudo é vaidade, e eu penso como este pobre homem que decerto nunca existiu. Zero vestiu-se de vaidade, porque não queria andar nú. Ó vaidade, que tudo encobres com os teus palavrões! Uma cozinha é um laboratório, um dançarino é um professor, um saltimbanco é um ginasta, um jogador de soco é um pugilista, um boticário é um químico, um cabeleireiro é um artista, um pedreiro é um arquitecto, um jóquei é um desportista, um bicho-de-conta é um pterigobrânquio. A vaidade tem avesso e direito; o direito é estúpido, é o preto coberto de avelórios; o avesso é tolo, é o filósofo coberto de farrapos. Lamento um e rio-me do outro. As chamadas honras e dignidades, e mesmo a honra e a dignidade, são geralmente coisas que nada valem. Os reis fazem um joguete do orgulho humano. Calígula fazia cônsul o seu cavalo; Carlos II armava cavaleiro um lombo de vaca. Ora imaginai-vos entre o cônsul Esporeado e o barão Bife. (...)"


excerto de Os Miseráveis de Victor Hugo