Último filme de Orson Welles, F for Fake,
é um estudo sobre a ilusão, o falso. E que melhor maneira de fazer um filme
sobre a ilusão do que iludindo o espectador o tempo todo? É precisamente isso
que Orson Welles faz, cria um jogo em que tudo, desde a montagem ao texto,
brinca com a crença/descrença do espectador. Constituído por entrevistas e
reconstituições de “eventos”, F for Fake pode,
num sentido lato, enquadrar-se no género documental, mas transcende as
fronteiras do documentário, sendo geralmente considerado como um filme-ensaio.
Orson Welles é o anfitrião que nos guia pelo jogo
de espelhos que é este filme. O trabalho e vida do famoso falsificador de arte
Elmyr de Hory - que, ao não ser aceite no pelo “mundo da arte” enquanto pintor,
começa a fazer falsificações de quadros valiosos - serve de ponto de partida
para uma investigação acerca da natureza da arte, do seu valor e da sua relação
com a cópia e a falsificação. Hory vive a sua velhice em Ibiza numa villa
cedida por um dos “art dealers” que lucraram com as suas falsificações. Segundo
o que Welles conta, as falsificações dele eram tão boas que nem os peritos as
conseguiam distinguir das originais encontrando-se, portanto, espalhadas por
vários grandes museus no mundo. A mentira passou incólume porque nenhum desses
grandes museus quis arriscar a perda de credibilidade que o facto de terem
comprado uma falsificação lhes traria. A história de Elmyr de Hory expõe a
forma como é fácil enganar os peritos e especialistas, os vilões de F for Fake, que decidem o que é suposto valer
alguma coisa ou não. Através das suas falsificações, de Hory expõe o absurdo e
a aleatoriedade do mundo da arte.
Para
além do próprio Orson Welles, que se refere a episódios da sua vida e carreira relacionando-os
com o tema, e Elmyr de Hory, o puzzle de F
for Fake é composto por Clifford Irving, biógrafo de Elmyr, também
conhecido por ter forjado a biografia “autorizada” de Howard Hughes; e Oja
Kodar, mulher de Welles, personagem central de vários eventos falsos que são
relatados ao espectador.
Esta é, também, uma obra que reflecte sobre a
ilusão do cinema. Welles tira vantagem da condição intrínseca ao cinema (que é
sempre uma ilusão), ao mesmo tempo que tenta tornar o espectador consciente
dela. Desde
o início, avisa-nos para o facto de nos ir enganar, apesar de garantir por várias
vezes que é tudo verdade, sempre num tom de regozijo. A cena inicial do filme,
em que Welles aparece numa estação de comboios a fazer truques de magia para um
rapazinho, resume tudo o que se passa a seguir: estamos perante um truque de
ilusionismo, o espectador é como uma criança que, ao mesmo tempo que sabe que
está a assistir a uma ilusão, se deixa maravilhar com ela. Em F for Fake, o espectador chega a um
ponto em que não consegue distinguir aquilo que é real do que é inventado
descaradamente, se é que alguma coisa é real. Orson Welles mente e engana para demonstrar
que não se pode confiar em ninguém, muito menos em alguém que afirme a sua
autoridade sem qualquer fundamento ou prova.
Ao
espectador nunca é permitido esquecer-se que está perante um objecto construído
nem que esse objecto é construído por ele, Orson Welles. O próprio processo de construção
do filme é evidenciado em vários momentos, nomeadamente na cena em que Orson
Welles, sentado numa sala de montagem, fala directamente para a câmara Mas será
a autoria do filme verdadeira? Existem rumores de que quem realizou grande
parte de F for Fake, mais
especificamente a parte filmada em Ibiza, não foi Orson Welles, mas sim François Reichenbach.
F for Fake
foi um falhanço comercial nos EUA e gerou polémica entre a crítica. Ao longo
dos anos, acabou por conquistar o estatuto de clássico, obra visionária que
antecipou as técnicas de montagem modernas. Através de uma rápida e inquieta
sucessão de planos, feita, também ela, para nos enganar ou confundir, são
criados diálogos, situações, relações entre coisas separadas.