Wim Wenders começou a sua carreira cinematográfica no final dos anos 60, durante a vaga do Novo Cinema Alemão, sendo um dos realizadores mais conhecidos desta nova geração que, influenciada pela Nouvelle Vague, contestava os modos tradicionais de fazer cinema. Após ter filmado Paris, Texas nos EUA e Tokyo-Ga no Japão, regressa à Alemanha para fazer As Asas do Desejo, cujo título original é Der Himmel über Berlin.
Em traços gerais, As Asas do Desejo conta a história de um anjo que se apaixona por uma mulher humana e desiste da sua condição de entidade espiritual e imortal para poder estar com ela. A linha narrativa é simples e não domina o filme, dilui-se nele, servindo apenas de fio condutor a um guião minimalista que, na sua estrutura, é uma sucessão de episódios quotidianos ligados através do texto, sempre presente, e de uma câmara em constante movimento.
Desde o início, Wenders coloca o espectador dentro do olhar de dois anjos, Damiel e Cassiel, que nos guiam numa viajem pela cidade de Berlim. A câmara, como se estivesse a voar, mostra-nos belas imagens a preto e branco da cidade e dos seus habitantes, cujos pensamentos conseguimos ouvir. Observamos a vida a partir de fora e, ao mesmo tempo, a vida espiritual das pessoas através dos seus pensamentos. Somente as crianças conseguem ver os anjos. As pessoas adultas estão ignorantes da presença de alguém que as observa, apenas os pressentindo em certos momentos. Por seu lado, os anjos não podem intervir para além do consolo espiritual que por vezes transmitem, são apenas testemunhas, espectadores.
Progressivamente, a atenção de Damiel e Cassiel é focada numa tríade de personagens sem ligação umas com as outras: Marion, a trapezista por quem o anjo Damiel se apaixona; um o actor americano que se encontra em Berlim a rodar um filme sobre a Segunda Guerra Mundial; e Homer, um homem idoso que reclama para si a missão de contador das histórias da humanidade. Este ultimo, representa algo que se perdeu e lastima a evolução dos tempos, que faz com que as pessoas, que já não se sentam juntas para ouvir as suas histórias, se tenham alienado da forma narrativa.
As Asas do Desejo é, também, um filme acerca de Berlim. Rodado pouco antes da queda do muro, retrata uma cidade traumatizada física e psicologicamente. O muro está quase sempre do horizonte, mesmo quando não se pode ver sabemo-lo lá, assim como os traumas da guerra que assombram constantemente os personagens de formas subtis e profundas.
Em As Asas do Desejo, Wim Wenders alterna entre o ponto de vista dos anjos, que domina o filme quase até ao fim, e o ponto de vista das pessoas. O mundo dos anjos é um mundo a preto e branco, povoado pelo som dos pensamentos humanos, um mundo espiritual. A realidade vista por olhos humanos é colorida, sensual, uma realidade em que a espiritualidade apenas pode ser pressentida. Wenders utiliza este contraste entre uma vida puramente espiritual, sem sensações físicas nem tempo, e a experiência física da vida para fazer uma reflexão acerca da condição humana. Os anjos são omniscientes e sabem tudo mas não têm a experiência de estar restritos pelo tempo e pelo espaço, não vêm cores, não sentem o toque, não experienciam os sentimentos humanos e mostram, desde o início do filme, curiosidade por estas experiências e cansaço da sua própria condição: “It's great to live only by the spirit, to testify day by day for eternity only to the spiritual side of people. But sometimes I get fed up with my spiritual existance. (...) Instead of forever hovering above I'd like to feel there's some weight to me”. Não é apenas por amor que Damiel decide deixar de ser anjo. A sua opção é, também, motivada pela vontade de construir a sua própria narrativa pessoal, de viver dentro do tempo.
Apesar de As Asas do Desejo ser uma obra muito visual, o texto escrito que a percorre tem também grande importância, resultando numa conjugação muito particular de cinema com literatura. O texto foi co-escrito por Peter Handke (que colaborara já com Wim Wenders em filmes como A Angústia do Guarda Redes no Momento do Penalty de 1972) e tem inúmeros momentos de conversas densas e filosóficas, principalmente entre os dois anjos. Outro elemento do texto marcante ao longo do filme é o poema sobre a infância que funciona como leit-motif, ajudando a dar coerência ao todo. Este poema assinala o início e o final e aparece pontualmente durante o filme, começando sempre com a expressão “Als das Kind Kind war” (“Quando a criança era uma criança”) completada com diferentes reflexões acerca de como é ver o mundo pelos olhos de uma criança. Ao longo do filme, em que adoptamos quase sempre a perspectiva dos anjos vamo-nos apercebendo que, para eles, as crianças são a humanidade. Quando Damiel se torna humano, ele próprio se comporta como uma criança entusiasmada com tudo (desde as cores dos desenhos no muro, até ao sabor do seu próprio sangue), convidando o espectador a olhar o mundo como se o visse pela primeira vez.
Wim Wenders began his film career in the late '60s, during the New German Cinema. He is one of the best known directors of this new generation, influenced by the Nouvelle Vague, that challenged traditional modes of filmmaking. Having filmed Paris, Texas in the U.S. and Tokyo-Ga in Japan, he returned to Germany to fim Wings of Desire, whose original title is Der Himmel über Berlin.
Broadly speaking, Wings of Desire tells the story of an angel who falls in love with a human woman and gives up its status as immortal angel to be with her. The storyline is simple and does not dominate the film, it is simply a guide to a minimalist script that, in its structure, is a sequence of everyday episodes connected by the text, always present, and by a camera constantly moving.
From the beginning, Wenders putsus in the eyes of two angels, Damiel and Cassiel, who guide us on a journey through the city of Berlin. The camera, as if it flys, show us beautiful images of the city in black and white city and its inhabitants, whose thoughts we can hear. We see life from the outside and, at the same time, the people's spiritual lives through their thoughts. Only children can see the angels. Adults are ignorant of the presence of someone who observes them, only the sensing it at times. For its part, the angels can not act beyond this spiritual solace that sometimes give, they are only witnesses, spectators.
Increasingly, the attention of Damiel and Cassiel is focused on a triad of characters unrelated to each other: Marion, the trapeze artist for whom the angel Damiel falls; an American actor who is in Berlin to make a film about the World War II, and Homer, an old man who claims to himself the mission of the storyteller of humanity. The latter represents something lost and regrets the evolution of time, which means that people no longer sit together to hear his stories and have disposed of the narrative.
Wings of Desire is also a film about Berlin. Filmed just before the fall of the wall, it depicts a traumatized city, physically and psychologically. The wall is almost always on the horizon, even when we can not see it we know it´s there, as well as the traumas of the war that constantly haunt the characters in subtle and profound ways.
In Wings of Desire, Wim Wenders toggles the view of angels, that dominates the film almost to the end, and the point of view of people. The world of the angels is a black and white world, populated by the sound of human thought, a spiritual world. The world seen by human eyes is colorful, sensual, a world in which spirituality can only be sensed. Wenders uses this contrast between a life purely spiritual, without physical sensations or time, and the physical experience of life to make a reflection about the human condition. The angels are omniscient and know everything but do not have the experience of being restricted by time and space, do not sense colours, do not feel touch, do not experience human feelings and show, from the beginning of the film, curiosity about the human experience and fatigue of their own condition: "It's great to live only by the spirit, to testify day by day for eternity only to the spiritual side of people. But Sometimes I get fed up with my spiritual existance. (...) Instead of forever hovering above I'd like to feel there's some weight to me. " It's not just for love that Damiel decides to not be an angel. His choice is also motivated by the desire to his their own personal narrative, to live within time.
Although Wings of Desire is a very visual film, written text that also has great importance, resulting in a very particular combination of cinema and literature. The text was co-written by Peter Handke (who has collaborated with Wim Wenders on such films as The Goalkeeper's Anxiety at the Penalty Kick, 1972) and has many moments of dense and philosophical conversations, especially between two angels. Another striking element of the text throughout the film is the poem about childhood that serves as leit-motif, helping to give coherence to the whole. This poem marks the beginning and end, and occasionally appears in the film, always beginning with the phrase "Als Kind Kind of War" ("When the child was a child") supplemented with different ideas about how to see the world through the eyes of a child. Throughout the film, they often adopt the perspective of the angels let us realizing that for them, children are humanity. When Damiel becomes human, he behaves like a child excited about everything (from the colors of the drawings on the wall, to the taste of your own blood), inviting the viewer to see the world as if seeing it for the first time.