"(...) seria bom que os que se suicidam e não nos deixam ignorar o facto soubessem, de uma vez por todas, que não provocam tristeza, da autêntica, nem remorsos. E contudo é esse sempre o objectivo deles. O que provocam é uma farsa, ou uma desesperada tentativa de farsa. E que faz que os amigos visados, por muito aflitos que estejam, se preocupem muito mais com explicar aos outros como não puderam compreender: «Sabes bem como ele era», em resumo, estejam mais preocupados em forjar um alibi do que a chorar o morto. (...) Mas há um verdadeiro pesadelo para os que ficam, é o «se». O condicional, o tempo do condicional tal como é conjugado aborreceu-me sempre prodigiosamente. Para mim, «se eu tivesse sabido», «se eu tivesse compreendido», em resumo, o «se» foi sempre uma coisa morta, porque imaginada antes de ter sido vivida e, portanto, forçosamente inadmissível. O «se» pareceu-me sempre o cúmulo da estupidez, da zombaria e do desprezo, porque afinal, se soubéssemos por que razão vivemos, se soubéssemos porque morre alguém a quem amamos, ou ainda mais estupidamente, porque razão já não nos ama alguém a quem amamos, saberíamos muita coisa! O horror que acompanha o suicídio dos nossos amigos é devido ao facto de dizermos mais uma vez o «se» e verificarmos que ele se fixa bruscamente, ou, pelo menos, é assinalável no espaço e no tempo: «Que estupidez, deixei o Arthur às três horas e parecia bem disposto. Se tivesse adivinhado que...» «Que estupidez, cruzei-me com ele à frente do flore, disse-me adeus com a mão. Se...». E esta multidão de pequenas recordações que todos nos vêm relatar torna-se num bando de tubarões decididos a darem cabo de nós. Todas essas recordações ocupam um lugar no tempo e no espaço, são portanto insuportáveis. porque afinal, se ler num jornal que o Arthur morreu  num desastre de automóvel (...), segundo as minhas relações com o Arthur, dou com a cabeça na parede, telefono à mãe dele, choro ou digo simplesmente: «Coitado do Arthur, guiava mal.» Mas se o mesmo Arthur decidiu que a vida já não era possível, e portanto, de certa maneira, tomou decisões sobre a minha vida, uma vez que era um amigo, se ninguém o pôde impedir, nem os amigos dele nem os meus, nem sequer eu, o Arthur está morto e arrefece algures, sou levada a perguntar a mim mesma se ele não teria às vezes razão, esse Arthur ou qualquer outro. O suicida reduz a nada não só o coração dos outros, a ternura que sentem por ele, o sentido da responsabilidade, mas também a sua razão inicial de viver, que não é mais, se pensar bem no assunto, do que uma respiração e um latejar no pulso, é, às vezes, um olhar encantado diante de um jardim, de um ser humano ou de um projecto, por muito estúpido que seja. O suicídio deita tudo isto abaixo. Os suicidas são muito corajosos e muito culpados.(...)"

in Viver não Custa... / Des Bleus À L'Âme (1972) - Françoise Sagan

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